1. O fútbol comezou a xogarse nas cidades portuarias galegas a finais do século XIX e comezos do XX, coinciden estas datas com a chegada do fútbol a Portugal?
Na historiografia portuguesa comoram duas versões acerca da introdução do futebol no país: a primeira aponta a Madeira como o local onde se jogou pela primeira vez futebol [1], no ano de 1875; a segunda defende que esse jogo inaugural decorreu em Cascais, em 1888 [2]. Todavia, a versão mais aceite indica Cascais como o local do primeiro jogo de futebol, modalidade “importada” de Inglaterra pelos irmãos Pinto Basto [3], no país, em 1888. Em suma, podemos concluir que o futebol surgiu no último quartel do século XIX, em Portugal, enquadrado no movimento de expansão da modalidade pelo globo.
À semelhança da Galiza, o futebol desenvolveu-se, inicialmente, nas zonas costeiras, junto aos grandes polos urbanos de Lisboa e do Porto, sobretudo, devido à influência das comunidades britânicas sediadas nessas cidades (aqui importa ainda salientar o Funchal, no arquipélago da Madeira).
2. En que punto o fútbol comeza a ser xogado popularmente en Portugal? Houbo grandes diferencias temporais entre as cidades e o mundo rural?
A popularização do futebol português inicia-se nos alvores do século XX, principalmente na capital, em Lisboa. Segundo as palavras de Ricardo Serrado, o futebol populariza-se e institucionaliza-se na capital após 1906[4]. Neste período, fazem-se as primeiras tentativas de organizar campeonatos da modalidade – Liga de Football Association (1906/1907) e Liga Portuguesa de Futebol (1908-1910)[5] – e, inclusive, iniciam-se as provas escolares, prova de que o futebol estava num processo crescente de popularização.
No entanto, a popularização e a expansão do futebol pelo país concretizam-se, praticamente, durante o regime republicano (1910-1926), com a fundação de 15 associações de futebol, da União Portuguesa de Futebol (após 1926 denomina-se Federação Portuguesa de Futebol) e a criação do Campeonato de Portugal, disputado num formato de eliminatórias e de âmbito nacional [6].
Quanto à relação entre o desenvolvimento deste desporto na cidade e no campo, o futebol português, nas primeiras décadas do século XX, cresce, principalmente, nas cidades. Os vencedores do Campeonato de Portugal provam o maior desenvolvimento dos clubes no eixo Porto-Lisboa, sendo que essa hegemonia somente foi quebrada nas edições de 1924 e 1926 quando, respetivamente, o Sporting Clube Olhanense (Olhão) e o Clube Sport Marítimo (Funchal, Madeira) venceram a competição [7]. Todavia, importa reiterar a existência de clubes de futebol também nas regiões do interior, nomeadamente em Mirandela (Bragança) e Guarda (distritos sem associações regionais na I República), bem como no arquipélago dos Açores (o exemplo do Faial Sport Clube, na ilha do Faial) e da Madeira (Clube Sport Marítimo, etc.). Para popularizar a modalidade nessas regiões, mais periféricas, os clubes de Lisboa e do Porto, nas pausas dos respetivos campeonatos, jogavam, muitas vezes, contra coletividades dessas zonas com o intuito de promoverem o futebol junto dos habitantes locais. O Sport Lisboa e Benfica, o Casa Pia Atlético Clube e o Sporting Clube de Portugal visitaram o arquipélago dos Açores e da Madeira, na década de 20, e o Futebol Clube do Porto fez digressões pela zona norte, por volta da mesma altura, rumo ao Minho, a Vila Real e a Bragança [8].
Concluindo, na I República (1910-1926), o futebol português expandiu-se pelo território, chegando a quase todos os distritos e ilhas, mas fê-lo com velocidades distintas. Desde os primórdios até aos dias de hoje, Lisboa e Porto nunca perderam a hegemonia do futebol português, desporto que anda de mãos dadas com os índices de desenvolvimento económico do país.
3. Como foi a relación do fútbol coa situación política portuguesa nos comezos de século?
Em Portugal não houve um futebol da Monarquia ou da I República. A cronologia deste desporto não é concomitante com os marcos políticos da História de Portugal, uma vez que, por exemplo, não existem diferenças significativas entre o futebol de 1926 (na I República Portuguesa) e o de 1933 (Início do Estado Novo, liderado por Salazar). Sabemos que a democratização e a expansão da modalidade no país ocorreram, essencialmente, nos anos da I República. Porém, os dirigentes políticos republicanos nunca se interessaram muito pelos destinos do futebol, sendo as autoridades políticas bastante criticadas pela imprensa desportiva [9]. Contudo, houve legislação que, de modo indireto, contribuiu para a popularização deste desporto como, por exemplo, o decreto legislativo, promulgado em 1911, que instaurou o dia de descanso semanal obrigatório, o domingo [10]. O decreto supracitado permitiu que os assalariados assistissem aos jogos e que praticassem a modalidade. O futebol deixara de ser elitista.
Apesar de vários dirigentes desportivos serem republicanos, a I República não pretendeu influenciar a evolução do futebol. A maior ligação entre futebol e política aconteceu nos jogos internacionais da seleção portuguesa, nomeadamente contra a Espanha. O fervor patriótico que envolvia esses desafios, a presença do Chefe de Estado e dos ministros na tribuna, os hinos e as bandeiras contribuíam para introduzir atos simbólicos do poder político nos jogos de futebol [11].
No entanto, sabemos que a política condiciona todas as atividades humanas. A participação portuguesa na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a instabilidade interna (Golpes de Estado, Revolução Dezembrista que levou Sidónio Pais ao poder, a breve Monarquia do Norte, etc.) provocaram imensas dificuldades aos clubes, quer através do recrutamento de futebolistas para os campos de batalha quer pela carestia de vida. Em momentos de maior dificuldade económica, o futebol vivia com menos dinheiro, sobretudo as verbas oriundas das bilheteiras.
Em síntese, tanto a Monarquia como a I República não controlaram o desenvolvimento do futebol, apesar de condicionarem os destinos do “jogo da bola”, de modo indireto. A Primeira Guerra Mundial revelou-se o maior desafio para o desenvolvimento do futebol nacional.
4. Foi determinante a chegada de Salazar? Quixo controlar o fútbol cando chegou ao poder ou non lle deu importancia?
Embora o período salazarista esteja fora da minha época de estudo, posso tecer algumas considerações com base na bibliografia existente. A Constituição de 1933 instaura o Estado Novo em Portugal. Este regime autoritário, antiliberal, conservador e protecionista dirigiu o país até à Revolução de 25 de abril de 1974. No que respeita ao futebol, o Estado Novo demorou até 1942 para definir uma política desportiva [12]. Nesse ano, o regime criou a Direção-Geral de Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, instituição responsável pela tutela do mundo desportivo. Após essa data, o Estado Novo começou a intervir no futebol, embora não no sentido de valorizar a modalidade, ao invés chegou mesmo a proibir o futebol no Verão e a supervisionar as transferências dos jogadores. Neste último caso, a mentalidade prevalecente dos dirigentes desportivos nacionais, conectados com o regime salazarista, era o amadorismo, por isso procurou-se limitar ou adiar a chegada do profissionalismo [13]. Importa salientar que esta defesa do amadorismo estava em contraponto com a situação dos maiores campeonatos europeus, principalmente, o espanhol.
O Estado Novo desconfiava das grandes concentrações de pessoas, por isso o futebol não agradava às elites do regime. A colocação ou nomeação de homens de confiança de Salazar para as instituições desportivas (de referir a Federação Portuguesa de Futebol) visava supervisionar o desporto e afastar os opositores políticos de cargos mediáticos. Todavia, a paixão que este desporto suscitava na população derrotou os intentos do Estado Novo e o futebol continuou o crescimento tanto ao nível dos adeptos como dos clubes.
Mais tarde, na década de 60, o sucesso internacional do Sport Lisboa e Benfica, nas finais da Taça dos Campeões Europeus, e da seleção portuguesa, no Mundial de 1966, coadunou-se com as tentativas do regime passar a imagem de uma nação una, o célebre “do Minho a Timor”, pois os anos 60 foram o tempo dos ídolos provenientes dos territórios ultramarinos, com destaque inolvidável para Eusébio da Silva Ferreira. A Guerra Colonial que visava manter a integridade territorial de Portugal, segundo Salazar, iniciou-se em 1961, ou seja, foi contemporânea da ascensão dos jogadores africanos no futebol português. De modo indireto, este facto completava a propaganda política do regime ditatorial.
Para mais informação sugiro a obra de Ricardo Serrado: O jogo de Salazar – a política e o futebol no Estado Novo [14].
5. Observaches, nos teus estudos, algunha relación do fútbol portugués con España, e concretamente con Galiza?
Nas primeiras décadas do século XX, o futebol português olha para Espanha. O futebol espanhol serve de modelo para Portugal, uma vez que tanto as competições como o modelo associativo e federativo português decalca o do país vizinho. Por exemplo, a primeira competição portuguesa de âmbito nacional, o Campeonato de Portugal (1922), foi influenciada pela Copa del Rey como corrobora o apuramento para a prova (vencedores dos campeonatos regionais) e o sistema de eliminatórias. Após a derrota portuguesa de 9-0 contra a seleção espanhola, em 1934, os dirigentes desportivos nacionais decidiram reformular as competições. Assim, apareceram o Campeonato da I Liga e, posteriormente, o Campeonato da I Divisão (atual campeonato nacional).
Novamente, a Espanha serviu como modelo a seguir pelas instituições desportivas portuguesas.
Quanto à Galiza, os clubes de futebol portuenses mantiveram, desde cedo, relações estreitas com os homólogos galegos. Ainda na Monarquia, o Futebol Clube do Porto defrontou o Fortuna Football Club de Vigo, em 1907, naquele que foi o primeiro jogo internacional em território português [15]. Essas ligações incrementaram-se durante os anos da I República. Desde os alvores da década de 10 até aos finais do regime republicano, os melhores clubes nacionais defrontaram equipas galegas. Por exemplo, o Sporting Clube de Portugal jogou com o Real Fortuna de Vigo, em 1915. Mais tarde, na década de 20, os leões tornaram a enfrentar os clubes galegos. Não era raro que o Sport Lisboa e Benfica e o Futebol Clube do Porto fizessem digressões pela Galiza, a fim de disputarem partidas contra as equipas de Vigo e de Pontevedra, dotadas de bons jogadores. Na cidade Invicta (Porto), o Boavista, o Sport Comércio e Salgueiros, o Sport Progresso e outras coletividades receberam diversas visitas de homólogos galegos, símbolo da cooperação e conhecimento futebolístico mútuo das regiões. Além dos clubes, a seleção de futebol da Galiza também defrontou a congénere portuense e a lisboeta.
O intercâmbio de conhecimentos futebolísticos entre galegos e portugueses, por certo, contribuiu para desenvolver o futebol nos dois lados. Esses jogos internacionais, segundo a imprensa, atraíam imenso público para os recintos desportivos. Para complementar, os grandes periódicos desportivos portugueses, durante os anos da I República, – O Sport de Lisboa, Os Sports e Sporting – mencionavam regularmente nas suas páginas acontecimentos futebolísticos galegos como, por exemplo, o “pendurar das botas” do grande jogador Nolasco.
Por fim, de salientar que os clubes espanhóis foram os adversários internacionais prediletos dos congéneres portugueses, como corrobora a minha tese de doutoramento, ao longo do período da I República. O futebol espanhol, mais desenvolvido que o português, revelou-se fundamental para o crescimento da modalidade no país.
6. Por que o fútbol non se leva nada ben coa historiografía e segue sendo case que “marxinado”?
Na minha opinião, o futebol é uma janela aberta para a sociedade contemporânea, por isso não deve ser olvidado. Embora a maioria das Histórias Gerais de Portugal não mencione ou aprofunde este desporto, de facto, o futebol teve um papel mediático e social incomparável ao longo do século XX. Uma modalidade que fez parte (e ainda faz) da vida de milhões e que se expandiu, praticamente, por todo o globo merece, sem dúvida, mais atenção por parte da historiografia. No caso português, a historiografia começou a valorizar o estudo deste desporto, principalmente, no século XXI, grosso modo, nos últimos quinze a vinte anos. Todavia, falta estudar temáticas importantes como o papel da mulher no futebol, a geografia deste desporto, fazer prosopografia de dirigentes, atletas, treinadores e árbitros. Talvez as causas para a pouca representatividade do futebol na historiografia sejam o desinteresse, até tempos recentes, pelo estudo histórico dos fenómenos desportivos; o contexto geopolítico da segunda metade do século XX que deu primazia aos temas políticos, socioeconómicos e das mentalidades; por último mas não menos importante, as lacunas nos currículos universitários relativamente ao estudo do futebol e outros desportos, na perspetiva histórica.
Para todos os efeitos, o futebol faz parte do imaginário e da história, tanto de Portugal como da Galiza, nos últimos cem anos. A sua marginalização historiográfica significa a ignorância ou o esquecimento do maior fenómeno desportivo a nível mundial e um erro crasso que impede a compreensão detalhada do século XX e XXI.
Notas ao pé
[1] SERRA, Pedro; SERRADO, Ricardo — História do Futebol Português. Das origens ao 25 de abril. Uma análise social e cultural. 2ª ed. Lisboa: Prime Books, 2014, p. 57.
[2] DIAS, Marina Tavares — Cascais: Aqui nasceu o futebol em Portugal 1888/1928. Cascais: Quimera, 2004.
[3] COELHO, João Nuno; PINHEIRO, Francisco — A Paixão do Povo. História do Futebol Português. Porto: Afrontamento, 2002, p. 49.
[4] SERRA, Pedro; SERRADO, Ricardo — História do Futebol Português, p. 75.
[6] PEREIRA, Ricardo — O futebol português no tempo da I República (1910-1926). Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2018 [Tese de Doutoramento], p. 30.5 COELHO, João Nuno; PINHEIRO, Francisco — A Paixão do Povo, p. 111-112.
[7] PEREIRA, Ricardo — O futebol português no tempo da I República (1910-1926), p. 159.
[8] PEREIRA, Ricardo — O futebol português no tempo da I República (1910-1926), p. 250.
[9] PEREIRA, Ricardo — O futebol português no tempo da I República (1910-1926), p. 179.
[10] COELHO, João Nuno; PINHEIRO, Francisco — A Paixão do Povo, p. 129.
[11] Ver COELHO, João Nuno — Portugal, A Equipa de Todos Nós – Nacionalismo, Futebol e Media. Porto: Afrontamento, 2001.
[12] SERRA, Pedro; SERRADO, Ricardo — História do Futebol Português, p. 255.
[13] SERRA, Pedro; SERRADO, Ricardo — História do Futebol Português, p. 256.
[14] SERRADO, Ricardo — O jogo de Salazar – a política e o futebol no Estado Novo. Lisboa: Casa das Letras, 2009.
[15] COELHO, João Nuno; PINHEIRO, Francisco — A Paixão do Povo, p. 109.
Fene, 1996. Graduado en Historia pola Universidade de Santiago de Compostela cunha estancia de nove meses na Universidade Jagiellonski de Cracovia. Estudei o máster de Historia Contemporánea na Universidade Autónoma de Barcelona. Actualmente curso o doutoramento na USC, investigando sobre a historia social do deporte en Galicia na primeira metade do século XX.
2 comentarios en ““À semelhança da Galiza, o futebol desenvolveu-se, inicialmente, nas zonas costeiras”. Entrevista a Ricardo Pereira.”
Que bonita entrevista !!!!! Dous países irmáns.
Boa idea!! . Os de Vilagarcía eran ou son (?)apodados os ingleses debía haber una colonia, ou una relación co porto. Sábese que polos 1900 e pico tiñan unha equipa “Villagarcía foot ball club ” penso que a directiva era inglesa , non teño comprobado o dato.